sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Camilo de Lélis escreve sobre Dançarei*:


"Hoje eu vi teatro. Andava falando mal, reclamando do que virou o nosso teatro na última década. Mas, espera aí! Tenho notado que há alguma excessão. Assisti a "Tá e Aí?", "Pilulas de Vatapá" e, por último, "Dançarei Sobre Teu Cadáver - direções de Julio Conte. "Tá e Aí?" é uma experiência cênica que mereceria um estudo mais aprofundado e se calhar, numa outra temporada, talvez eu me anime a fazê-lo. Porém, essas duas peças, "Pílulas de Vatapá" e "Dançarei Sobre Teu Cadáver" têm muitos pontos em comum, e o mais forte é o elenco que é muito jovem, se não estou errado, oriundo de oficinas ministradas por Julio Conte. Ambas as peças são de dramaturgia juliana e refletem a vida como ela é, e com tintas bem carregadas. Em "Pílulas...", que já faz algum tempo que assisti, a coisa é meio rodrigueana com incestos e que tais, além de muita drogadição e sexo. "Dançarei..." que assisti agorinha, no final da temporada do Teatro de Arena, me estimulou a falar bem de nosso teatro, a equipe merece meus louvores. Julio definiu o texto a partir de improvisações com os atores e conta, também, com o auxílio de Vicky Mendonça, que escreveu uma cena. Suas peças de oficina são espartanas; necas de cenário, alguns adereços e figurino mínimo. Então elas têm de ter alguma coisa a ser dita; e o que se ouve compensa a carência material. A turma de atores é natural, sem "over action" e outros estrionismos ou truculências, que os atores da antiga acabam adquirindo muitas vezes por preguiça de investir suor numa arte tão desvalorizada como é o teatro. Ninguém tranca a respiração, ou tremula o lábio inferior, ou falseia a voz para simular emoção; tudo ocorre com fé cênica, na sequência lógica que as cenas trazem ao espectador. E o que conta a peça? Conta a trajetória de um rapaz que resolve se endireitar na vida, largar as drogas e estudar, mas que não chega a bom fim, pelo contrário, termina morto. A narrativa é em "flash back", inicia pelo fim, e vai construindo os episódios que a trouxeram a tal desfecho. A estória tem vários personagens, que são apresentados ao público, ao mesmo tempo que cada ator se apresenta, pessoalmente, na abertura do espetáculo: "Eu sou fulano e farei tal personagem, que é assim e assado, pensa isso e faz aquilo, etc". Isso faz com que o público relaxe e participe afetivamente do que será mostrado. Há o crack, a prostituição, mas também há o afeto, a amizade e até o amor.Foi um alívio ver uma peça que, apesar de ter sido feita sem recursos financeiros, nos fala a verdade. Eu que andava até enjoado dos shakespeares& sófocles que andaram assombrando a cidade, vi, satisfeito, uma coisa simples, mas eficaz. Sim, o teatro necessita de eficácia, pois trata-se de ministrar um "farmakon", e eu tenho tomado placebos aos montes, até dessas peças riquissimamente encenadas que nosso belo festival nos traz anualmente, mas que falam de um outro mundo, não o mundo em que vivemos, ou mostra outras épocas, não devidamente transpostas. Houve um cara em Atenas, Frínico, contemporâneo de Ésquilo, que cometeu a seguinte gafe: o poderio persa estava apavorando os helenos e acabara de reprimir violentamente uma rebelião em Mileto, matando todos os homens e levando as mulheres e crianças como escravos. Então, Frínico escreveu e encenou "A Tomada de Mileto". A comissão do festival aceitou o argumento e aprovou o financiamento, após um ensaio geral. Mas na representação pública a porca torceu o rabo, pois os atenienses furibundos com o próprio sofrimento, em uma futura invasão persa à sua cidade, que a encenação prenunciava, não se ateve à compaixão pelos vencidos, mas sim ao poderio do vencedor que os ameaçava. Resultado: multa ao dramaturgo e proibição da peça, que jamais foi reencenada. Conto essa passagem, numa defesa de que se volte a escrever e dizer coisas vivas, para lembrar aos ressuscitadores de textos antigos, que estes, se não contextualizados, tornam-se anacrônicos, que o teatro desde suas origens foi uma exposição de atualidades, mesmo que através de episódios históricos ou mitos originais. Na peça " Dançarei Sobre Teu Cadáver" Julio Conte, num exemplo de contextualização, faz uma referência mitológica aos troianos e sua infeliz Cassandra, cuja sina era vaticinar com extremada correção, porém ninguém acreditava em suas profecias. Na peça de Julio, uma moça, normalmente meio tansa, quando é possuída pelo espírito da escrava Anastácia prevê o futuro das outras personagens, mas, como no mito, ninguém acredita nela. É ela que nos dá o epilogo do espetáculo:" Eu vi, eu vejo, eu verei! A sociedade de consumo virou sociedade da consumação! A vida não vale nada, mas nada vale a vida! Eu falo mas ninguém acredita..."Bem, se os gregos, nossos primeiros mestres, falavam de coisas que afetavam os seus contemporâneos, penso que o mesmo devemos fazer nós, se formos bons estudantes daquela filosofia, a qual podemos degustar na precisão e beleza de seus textos. Se não temos toda aquela poesia dramática, que tenhamos ao menos aquela atualidade, isto é, estejamos presentes à chamada do deus do vinho&teatro, Dionisos. E, eu que estava presente, vi quando os atores da peça "Dançarei Sobre Teu Cadáver" responderam em uníssono ao terceiro sinal: "presente!""

Camilo de Lélis*


* Este comentário está publicado no Jornal Fala Brasil com o nome "Quem Vive Dança & Vice Versa". Confira!

Depoimento sobre a peça:

Um Gostoso Reencontro
Jorge Alberto Benitz


Antes, desculpas pelo titulo meloso.Vou me permitir tecer humildes comentários sobre a peça de Julio Conte e Vicky Mendonça, “Dançarei Sobre Teu Cadáver”. Antes queria externar a minha satisfação de retornar, como expectador, ao teatro. Injunções da vida, que alguns chamam de aburguesamento, me levaram para ocupações e lazeres outros, que sem duvida, apequenaram a minha cultura. Digo isto porque senti ao retornar o quanto é visceral e impactante ver uma peça de teatro. Outros dizem que é apenas um outro modo de ser burguês. Dizem mais: O sujeito vai ao teatro, vê Brecht ou outro autor teatral com a mesma verve critica social dura e implacável e sai dali, vai jantar no restaurante da moda e amanha pode muito bem estar na posição de, por exempl o, um diretor de RH de uma multinacional, cortando gastos, eufemismo para dissimular a antipática prática chamada de corte de pessoal, sem dor no coração e na consciência e assim a vida continua até outra sessão teatral e outro jantar sofisticado, recheado de comentários sobre a performance de fulano ou beltrana, sobre a pertinência do cenário, etc...

Em contrário, posso dizer que tal possibilidade é inerente a toda a arte. Melhor, a todo o fazer. Se assim pensássemos todos, restaria cruzar os braços, esperando a morte chegar ou esperando Godot, como queiram. Viva a arte! Mesmo quando ela parece abraçar o pior tipo de niilismo, ainda assim transcende-o e diz sim a vida. Quando falo em niilismo artístico estou me reportando a entediados e afetados autores europeus como, por exemplo, Becket, um chatonildo segundo Ferreira Gullar, com quem comungo neste particular e em outros embates como o que empreende com os concretistas. Mas isso é outra história. Já estou, como sempre, encompridando e tergiversando demais.

Vamos a peça. Um lembrete: Esta é apenas uma opiniãozinha, que assenta perfeitamente no sentido dado por Quintana quando elogiaram o seu poeminha. Isto mesmo. Uma humilde impressão, melhor uma crônica, com tudo que isto implica- inclusive aquele divertido epíteto que a rotula de literatura de bermudas- , de alguém pouco versado na manha teatral, de alguém que só teve a idéia de escrever sobre a peça movido pela satisfação tida ao vê- la e, principalmente, por ter me comprometido com a namorada de meu filho Daniel, atriz da peça com uma performance instigante pelo estranhamento que ela conseguiu imprimir na personagem (Nao vai aqui nenhum puxa- saquismo de sogro.Tentei, na medida do possível, ser o mais imparcial possível, neste pormenor). Mera idiossincrasia. Antes que me atirem pedras, digo em minha defesa q ue estou assim sendo fiél a prédica de Zé Celso Martinez que ao falar sobre Oswaldo de Andrade, diz, lá pelas tantas, que o teatro deste, que é um dos mentores da semana de arte moderna de 22, pretende nada menos do que: ( )...se intrometer um tudo, palpitar sobre tudo, devorar tudo, utilizar tudo. Um impurismo total. Sua única grande fidelidade é seu sentido anárquico de apreensão de mundo ( )... Sei que adotar esta postura antropofágica oswaldoandradiana não é condição suficiente para estar sendo digno de atenção e consideração cultural, nem estou postulando tal condição. Apenas me valho dela para dar o meu pitaco. Alias, acho que todo o leitor, expectador que gosta de escrever deveria assim proceder.


No começo tive o desejo de, mesmo pouco versado em teatro, como já disse, de rotula- la de rodriguiana. Parecia haver todos os elementos deste universo nela. Logo me dei conta que no teatro de Nelson Rodrigues tem- se uma abordagem do mundo classe média. Classe média carioca, melhor entendido. Nem por isso menos universal. Daí uma grande diferença. O mundo focalizado na peça era mais periférico, mais suburbano, mais marginal e mais atual. Mas essa não era a única diferença com o chamado teatro rodriguiano. Há outra: Uma contenção que apesar de sutil, sempre se faz presente quando o cru, o erótico ou mesmo o prazer pervertido parece que vai tomar conta da cena. Não se vai as ultimas conseqüências como sói acontecer no teatro rodriguiano, as vezes de modo necessário , outras vezes apenas para alimentar o lado voyeur e/ou o gosto sadomasoquista de Nelson Rodrigues e seu público.

A natural rebeldia da juventude neste ambiente, marcado pela carência econômica e afetiva, torna qualquer desavença, qualquer discórdia resultante de interesses dispares, em chispas que facilmente se transformam em explosões. Mundo que assim como uma mesa de sinuca não deixa a bola sair do seu quadrado, se apresenta como sem saída para aqueles jovens que se debatem e vivem um possível que é muito mais dor e sofrimento do que prazer. Mesmo a busca de prazer nas drogas e no sexo, se mostram como o que realmente são: Meras válvulas de escape incapazes de saciar a ânsia de uma vida melhor.

Contrastando com este horror cotidiano nasce um deboche, uma leveza, um humor, uma ironia que paira sobre todo aquele mundo insano e que, provavelmente, mostra que a despeito de todas as adversidades aqueles jovens são iguais a todos os jovens. Cheios de alegria, humor e energia que somente não se transformam em algo socialmente positivo por culpa das injunções que os tolhem e impõem descaminhos que, se pudessem, com certeza não trilhariam.

Nada mais revelador de quanto é impermeável esta triste sina do que a morte do Life Boy. Cheio de sonhos e desejantes como quase todos os demais personagens, ele se distinguia por estar mais próximo de superar todos os obstáculos e vicissitudes e assim alcançar uma redenção. Uma bala não deixou que isto ocorresse. Não há happy end. Nem na ficção e .......nem na realidade.

Quanto à performance dos atores, somente me considero em condições de dizer que foram intensos, aplicados e convincentes. Se não o fossem, provavelmente, eu ficaria impassível. Não foi o que aconteceu, ao contrário, ora ria, ora ficava triste, ora tenso e a todo o tempo ligado. Por extensão, fica patente a mão dos autores e do diretor ou diretora que conferem beleza, graça e pertinência a trama e a dinâmica do espetáculo. Mais não digo por absoluta incapacidade.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sinopse:

A vida não vale nada, mas nada vale a vida.



Dançarei Sobre teu Cadáver é a crônica de uma sociedade de consumo onde os indivíduos se movem dentro de um universao claustrofóbico e familiar. A peça narra a vida e morte de Lifeboy, consumido pela sociedade onde a morte é incitada a ser vivida todos os dias e as intoxicações em doses alopáticas destrói neurônios e futuros, restando doses homeopáticas de morte como um antídoto para proteger a vida. Lifeboy busca os estudos para se evadir de um universo sem saída. Recebe ajuda de Santos, seu tio que é um miliciano a serviço de Habib, o comerciante. Nesta trajetória ele se defronta com Pantera, representante do tráfico e da ascensão social fácil. E tem um namoro com a Vida, seu amor adolescente. Tem uma relação com Lorinha, uma representante da vida burguesa que se envolve com o crack e dali não consegue mais sair. Temos ainda uma gama interessante de personagens; Neneca, evangélica buscando a saída religiosa para suportar a penúria, casada com Luiz, um ex-presidiário que sonha com um emprego decente para nunca mais ter que voltar para o presídio. Anastácia com seus delírios místicos busca desvendar o futuro. E Cida, uma moça bonita que se prostitui até engravidar, a partir de então, busca um pai para seu filho. A busca de pai é uma referência psicanalítica da busca de um pai simbólico, do qual toda uma sociedade sente uma aguda carência. Assim, temos os dez personagens que desenvolvem a trama onde o épico e dramático se alternam, compondo a Morte e a Vida de Lifeboy vista pela perspectiva de cada um deles.

Assista ao vídeo da peça: