sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Depoimento sobre a peça:

Um Gostoso Reencontro
Jorge Alberto Benitz


Antes, desculpas pelo titulo meloso.Vou me permitir tecer humildes comentários sobre a peça de Julio Conte e Vicky Mendonça, “Dançarei Sobre Teu Cadáver”. Antes queria externar a minha satisfação de retornar, como expectador, ao teatro. Injunções da vida, que alguns chamam de aburguesamento, me levaram para ocupações e lazeres outros, que sem duvida, apequenaram a minha cultura. Digo isto porque senti ao retornar o quanto é visceral e impactante ver uma peça de teatro. Outros dizem que é apenas um outro modo de ser burguês. Dizem mais: O sujeito vai ao teatro, vê Brecht ou outro autor teatral com a mesma verve critica social dura e implacável e sai dali, vai jantar no restaurante da moda e amanha pode muito bem estar na posição de, por exempl o, um diretor de RH de uma multinacional, cortando gastos, eufemismo para dissimular a antipática prática chamada de corte de pessoal, sem dor no coração e na consciência e assim a vida continua até outra sessão teatral e outro jantar sofisticado, recheado de comentários sobre a performance de fulano ou beltrana, sobre a pertinência do cenário, etc...

Em contrário, posso dizer que tal possibilidade é inerente a toda a arte. Melhor, a todo o fazer. Se assim pensássemos todos, restaria cruzar os braços, esperando a morte chegar ou esperando Godot, como queiram. Viva a arte! Mesmo quando ela parece abraçar o pior tipo de niilismo, ainda assim transcende-o e diz sim a vida. Quando falo em niilismo artístico estou me reportando a entediados e afetados autores europeus como, por exemplo, Becket, um chatonildo segundo Ferreira Gullar, com quem comungo neste particular e em outros embates como o que empreende com os concretistas. Mas isso é outra história. Já estou, como sempre, encompridando e tergiversando demais.

Vamos a peça. Um lembrete: Esta é apenas uma opiniãozinha, que assenta perfeitamente no sentido dado por Quintana quando elogiaram o seu poeminha. Isto mesmo. Uma humilde impressão, melhor uma crônica, com tudo que isto implica- inclusive aquele divertido epíteto que a rotula de literatura de bermudas- , de alguém pouco versado na manha teatral, de alguém que só teve a idéia de escrever sobre a peça movido pela satisfação tida ao vê- la e, principalmente, por ter me comprometido com a namorada de meu filho Daniel, atriz da peça com uma performance instigante pelo estranhamento que ela conseguiu imprimir na personagem (Nao vai aqui nenhum puxa- saquismo de sogro.Tentei, na medida do possível, ser o mais imparcial possível, neste pormenor). Mera idiossincrasia. Antes que me atirem pedras, digo em minha defesa q ue estou assim sendo fiél a prédica de Zé Celso Martinez que ao falar sobre Oswaldo de Andrade, diz, lá pelas tantas, que o teatro deste, que é um dos mentores da semana de arte moderna de 22, pretende nada menos do que: ( )...se intrometer um tudo, palpitar sobre tudo, devorar tudo, utilizar tudo. Um impurismo total. Sua única grande fidelidade é seu sentido anárquico de apreensão de mundo ( )... Sei que adotar esta postura antropofágica oswaldoandradiana não é condição suficiente para estar sendo digno de atenção e consideração cultural, nem estou postulando tal condição. Apenas me valho dela para dar o meu pitaco. Alias, acho que todo o leitor, expectador que gosta de escrever deveria assim proceder.


No começo tive o desejo de, mesmo pouco versado em teatro, como já disse, de rotula- la de rodriguiana. Parecia haver todos os elementos deste universo nela. Logo me dei conta que no teatro de Nelson Rodrigues tem- se uma abordagem do mundo classe média. Classe média carioca, melhor entendido. Nem por isso menos universal. Daí uma grande diferença. O mundo focalizado na peça era mais periférico, mais suburbano, mais marginal e mais atual. Mas essa não era a única diferença com o chamado teatro rodriguiano. Há outra: Uma contenção que apesar de sutil, sempre se faz presente quando o cru, o erótico ou mesmo o prazer pervertido parece que vai tomar conta da cena. Não se vai as ultimas conseqüências como sói acontecer no teatro rodriguiano, as vezes de modo necessário , outras vezes apenas para alimentar o lado voyeur e/ou o gosto sadomasoquista de Nelson Rodrigues e seu público.

A natural rebeldia da juventude neste ambiente, marcado pela carência econômica e afetiva, torna qualquer desavença, qualquer discórdia resultante de interesses dispares, em chispas que facilmente se transformam em explosões. Mundo que assim como uma mesa de sinuca não deixa a bola sair do seu quadrado, se apresenta como sem saída para aqueles jovens que se debatem e vivem um possível que é muito mais dor e sofrimento do que prazer. Mesmo a busca de prazer nas drogas e no sexo, se mostram como o que realmente são: Meras válvulas de escape incapazes de saciar a ânsia de uma vida melhor.

Contrastando com este horror cotidiano nasce um deboche, uma leveza, um humor, uma ironia que paira sobre todo aquele mundo insano e que, provavelmente, mostra que a despeito de todas as adversidades aqueles jovens são iguais a todos os jovens. Cheios de alegria, humor e energia que somente não se transformam em algo socialmente positivo por culpa das injunções que os tolhem e impõem descaminhos que, se pudessem, com certeza não trilhariam.

Nada mais revelador de quanto é impermeável esta triste sina do que a morte do Life Boy. Cheio de sonhos e desejantes como quase todos os demais personagens, ele se distinguia por estar mais próximo de superar todos os obstáculos e vicissitudes e assim alcançar uma redenção. Uma bala não deixou que isto ocorresse. Não há happy end. Nem na ficção e .......nem na realidade.

Quanto à performance dos atores, somente me considero em condições de dizer que foram intensos, aplicados e convincentes. Se não o fossem, provavelmente, eu ficaria impassível. Não foi o que aconteceu, ao contrário, ora ria, ora ficava triste, ora tenso e a todo o tempo ligado. Por extensão, fica patente a mão dos autores e do diretor ou diretora que conferem beleza, graça e pertinência a trama e a dinâmica do espetáculo. Mais não digo por absoluta incapacidade.

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